Os dispositivos extraglóticos (DEGs) são equipamentos de fornecimento de ar inseridos pela boca a fim de transmitirem o fluxo de ar diretamente via glote até os pulmões. Eles podem ser divididos em supraglóticos, que são inseridos acima da laringe, com destaque para as Máscaras Laríngeas, e retroglóticos, colocados posteriormente à laringe vedando o esôfago, como o Combitube, EasyTube ou KingLT. Vale ressaltar que os DEGs não são considerados, por definição, dispositivos de via aérea definitiva, pois não possuem balonete insuflado na traqueia.

Esses dispositivos podem ser bastante úteis no manejo da via aérea mas possuem menor proteção contra insuflação gástrica e aspirações maciças.. Estão disponíveis em diversos modelos alguns possuindo um canal para passagem de sonda gástrica; e o MLI (Máscara Laríngea de Intubação), que possui embutido um canal-guia para passagem do tubo orotraqueal, melhorando o sucesso de uma intubação às cegas.

Os dispositivos retroglóticos possuem maior poder de vedação em comparação com os supraglóticos, por uma maior pressão de enchimento do balonete, sendo útil em pacientes que precisem de altas pressões de pico nas vias aéreas, como asmáticos e obesos. Em geral, eles possuem duas bolsas, em que a proximal veda a orofaringe e a distal veda o esôfago, com a saída de ar para ventilação se localizando entre ambas. Pelo contato com o esôfago, devem ser evitados em pacientes com doenças confirmadas ou presumidas deste órgão, como em estenoses e ingestões cáusticas. O Combitube e o tubolaríngeo são os dispositivos retroglóticos com maior experiência de uso; o primeiro possui lúmen e balonete duplo que pode funcionar bem ao ser inserido tanto no esôfago (mais comumente) quanto na traquéia, geralmente sendo alocado às cegas.

Onde cabe utilizar?

Classicamente, os DEGs são uma alternativa para situações de via aérea falha, sendo urgente fornecer oxigenação a fim de evitar hipóxia cerebral, até que uma via aérea definitiva consiga ser obtida. É importante relembrar do conceito de via aérea falha, que pode ser caracterizado em três situações:

  • Falha de tentativa de intubação em um pacientes em que a oxigenação não pode ser mantida com BVM;
  • Três tentativas de intubação falhas por profissional experiente com oxigenação adequada;
  • Falha na intubação usando a melhor tentativa possível, em situações de “forçado a agir”.

Sendo assim os DEGs servem como alternativa à bolsa válvula-máscara em situações “Não intubo, não ventilo”, convertendo-a em uma situação “Não intubo, mas ventilo”, ganhando tempo importante. Nessas situações, pode ser colocada a DEG simultaneamente à preparação para um procedimento de via aérea cirúrgica, como a cricotireoidostomia. Dentre os DEGs, a ML de intubação é preferível, por sua alta probabilidade de fornecer ventilação efetiva e por ser usada como conduto facilitador da IOT, no momento é pouco acessível nos serviços de saúde.

Os DEGs persistem como alternativa à IOT inclusive para suporte avançado de vida e, em alguns casos, para a via aérea em situações mais controladas, como em ambientes cirúrgicos. As máscaras laríngeas podem também ser usadas em Pediatria durante a RCP, inclusive por intubadores com pouca experiência. Além disso, nas últimas décadas, os DEGs vêm ganhando ainda mais espaço devido à maior praticidade na sua colocação, sendo postulado como opção à bolsa válvula-máscara para fornecedores de suporte básico ou equipes de resgate menos experientes no manejo da via aérea.

Mas e então? Devo usar só depois que falhou ou pode ser minha primeira opção? 

Quanto a essa questão, em 2018 foi publicado um estudo de nome AIRWAYS-2 no JAMA com 9296 pacientes que passaram por PCR no atendimento pré-hospitalar comparou o Escore de Rankin de pacientes que receberam manejo de via aérea com dispositivos supraglóticos (4886 pacientes) contra os que receberam com IOT (4410 pacientes). Não foi vista diferença significativa entre os dois grupos em relação a taxa de desfechos negativos (Escala de Rankin 4-6), sem aumento das taxas de complicações como regurgitação e broncoaspiração. Dos 7576 pacientes que precisaram de via aérea definitiva em algum momento, o grupo que recebeu dispositivo supraglótico teve melhores desfechos (163 de 4158 – 3,9% vs. 88 de 3416 – 2,6%, com odds ratio de 1,57).

Já uma revisão da Cochrane de 2022 comparou o uso de dispositivos supraglóticos com intubação orotraqueal em pacientes obesos sob efeito de anestesia, e mostrou uma significativa redução da incidência de hipoxemia nos pacientes que fizeram dispositivos extraglóticos, em comparação com a IOT. Os dispositivos levaram em média 5,9 segundos a mais para colocação, mas não foi vista diferença significativa na taxa de sucesso da primeira tentativa de colocação (94,2% nos supraglóticos x 91,4% na IOT). Além disso, não houve diferença estatisticamente significativa entre IOT e dispositivos supraglóticos ao analisar taxas de laringoespasmo, tosse ou disfonia. 

Isso tudo nos faz questionar se não existem outras situações onde se deva considerar elegível a escolha de um DEG como primeira opção tendo em vista sua rápida curva de aprendizado e facilidade de passagem, como na realização de procedimentos no Departamento de Emergência com sedação aprofundada ou rebaixamento do sensório de causa transitória, como cardioversão elétrica, intoxicação por álcool, período pós-ictal prolongado e outros, para tanto, mais estudos serão necessários até lá. 

Por: Lucas Oliveira e Mateus Zaian

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