As crises convulsivas que duram mais que 5 minutos já podem ser consideradas como anormalmente prolongadas e devem ser tratadas imediatamente, tendo em vista a possibilidade de haver consequências negativas (como lesão neuronal e mais dificuldade em cessar as crises) caso haja um longo intervalo de tempo para início do tratamento. Por este motivo, a definição mais atual de estado de mal epiléptico (EME) o caracteriza como:

  • Crises convulsivas contínuas durando mais de 5 minutos
    OU
  • Pelo menos 2 crises isoladas sem retorno ao estado neurológico basal entre elas.
    Podemos dividir o EME em duas categorias básicas:
  1. Estado de mal epiléptico convulsivo (EMEC): há manifestação motora da crise, que pode variar conforme os tipos de convulsão (tônico-clônica generalizada, tônica, mioclônica e focal).
  • Estado de mal epiléptico não convulsivo (EMENC): não é observada atividade motora ou ela ocorre de maneira sutil. No Eletroencefalograma podemos encontrar atividade epileptiforme ictal prolongada ou recorrente. As manifestações clínicas podem variar desde alteração do comportamento e/ou cognição em relação ao basal do paciente até o coma.

E agora? Como iremos tratar o EMEC e EMENC?

Ambas as categorias compartilham o mesmo tratamento farmacológico. Antes de tudo, é fundamental estabelecer medidas de segurança para evitar morbidades adicionais como lesão por hipoxia, broncoaspiração e trauma, bem como a avaliação dos parâmetros iniciais mais importantes. Estas ações incluem:

  • Lateralizar o paciente
  • Aspirar vias aéreas se necessário
  • Monitorar sinais vitais
  • Fornecer O2 se hipoxemia
  • Estabelecer acesso venoso
  • Aferir glicemia capilar (corrigir se Dx<70mg/dL)

Lembrar que NÃO é recomendado puxar a língua do paciente ou introduzir objetos variados entre os dentes do paciente!!!
Caso o paciente ainda esteja em crise após os 5 minutos de duração deve ser iniciado o tratamento com anticonvulsivante.
Usaremos os benzodiazepínicos como primeira escolha!

  • Diazepam 10mg IV, sem diluição. Esta dose pode ser repetida uma vez.
  • Caso não haja acesso venoso disponível, Midazolam 10 mg IM para pacientes com mais de 40kg e 5mg para pacientes de 13kg a 40kg, sem diluição.

OBS: em caso de mulheres na segunda metade da gestação, devemos lembrar de eclâmpsia e, nesse caso, a terapia de primeira escolha é o sulfato de magnesio ao invés dos benzodiazepínicos.
Se crise ainda persiste, proceder ao tratamento de segunda escolha:

  • Fenitoína 20mg/kg IV em SF 0,9%., no máximo a 50mg/min. Pode repetir mais 10mg/kg (máximo de dose total: 30mg/kg).
    • Exemplo de prescrição (paciente 75kg):

Fenitoína 250mg/5ml – 06 ampolas + 220ml SF 0,9% IV em BIC 500ml/h agora.

  • Ácido valproico 40mg/kg IV em até 10mg/kg/min (máximo 3g).
    • Exemplo de prescrição (paciente 75kg):

Ácido valproico 500mg/5ml – 06 ampolas + 270ml SF 0,9% ou SG 5% ou SRL IV agora, correr em 10min.

Se as crises continuam e uma terceira linha de terapia se faz necessária, considerar intubação traqueal. Lembrar que, após esta, o paciente deve ser mantido inicialmente em sedação profunda (RASS -5) até que se obtenha o controle das crises (idealmente com confirmação através do EEG). As opções para esta fase são:

  • Fenobarbital 20mg/kg em até 60mg/min. Pode fazer mais 10mg/kg (máximo 30mg/kg).
    • Exemplo de prescrição (paciente 75kg):

Fenobarbital 200mg/2ml – 7,5 ampolas + 235ml SF 0,9% ou SG 5% ou SRL em BIC 600ml/h agora.

OBS.: Atenção para nível de consciência e padrão respiratório, já que ambos podem ser deprimidos após a infusão!

  • Drogas de indução / manutenção se intubação:
    • Midazolam 0,2 mg/kg IV bolus, seguida por 0,1 a 2,0 mg/kg/h em BIC.
    • Propofol 1- 2 mg/kg IV bolus, seguida por 20 a 200mcg/kg/min em BIC.
    • Cetamina 1-2mg/kg IV bolus, seguida por 0.5 a 10/mg/kg/h em BIC (menor nível de evidência que as anteriores).

Como podemos classificar o EME de acordo com as etiologias?

            É importante saber que grupos de patologias concomitantes devem ser considerados e apropriadamente descartados neste cenário. Podemos dividir as etiologias em três grandes categorias:

  • Sintomática aguda: engloba patologias de início agudo, concomitante à crise convulsiva. Entre elas podemos citar:
    • AVC
    • TCE
    • Hemorragias intracranianas
    • Trombose venosa cerebral
    • Infeções do SNC
    • Tumor cerebral
    • Toxico-metabólico
    • Eclâmpsia
  • Sintomática progressiva: constituída por patologias subagudas, que iniciaram seu desenvolvimento antes do início das crises, como por exemplo:
    • Tumor cerebral (tratamento incompleto ou mal-sucedido)
    • Infecções crônicas de SNC ou condições pós-infecciosas
    • Encefalites autoimunes/paraneoplásicas (anti-NMDA, anti-LGI1, anti-VGKC, anti- GAD)
    • Afecções inflamatórias e/ou imunomediadas do SNC (neurossarcoidose, neuro- Behçet, encefalite de Rasmussen)
    • Mitocondriopatias
    • Degenerativas (doença de Alzheimer)
  • Sintomática remota: grupo de patologias pré existentes que deixaram sequelas no parênquima cerebral, predispondo a crises convulsivas, como:
    • Sequela de TCE, AVC ou neuroinfecção prévios
    • Tumor benigno (p. ex., meningioma)
    • Insultos pré ou perinatais

E a investigação com exames complementares?

O primeiro ponto é verificar a glicemia capilar em todos os pacientes em crise no departamento de emergência. Outros exames laboratoriais são relevantes para nesse contexto de EME: hemograma, eletrólitos (Na, Ca e Mg), função renal e hepática e gasometria.

Beta-HCG deve ser solicitado em mulher em idade fértil para excluir diagnóstico de gravidez. Identificar gravidez em um primeiro episódio convulsivo tem impacto direto no início da terapia e na investigação subsequente.

Elevação do Lactato sérico pode ser um ferramenta para diferenciar crise convulsiva, síncope e crise psicogênica.

Em pacientes que possuem epilepsia e que apresentaram EME podemos requisitar níveis séricos de anticonvulsivantes para que possamos inferir a eficácia do tratamento e adesão ao mesmo, lembrar de corrigir pela albumina nos casos pertinentes (como na dosagem de fenitoína, por exemplo).

Em relação à neuroimagem, está indicado tomografia computadorizada nos seguintes casos:

  • Idade > 40 anos
  • Primeira crise
  • Na suspeita de lesão estrutural grave
  • Presença de um novo déficit focal
  • Persistência do estado mental alterado
  • Febre
  • Trauma recente
  • Cefaleia persistente
  • História de câncer
  • Uso de anticoagulante
  • Suspeita ou história conhecida de síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS)
  • Abuso crônico de álcool
  • Convulsão parcial complexa

Nos casos em que a ressonância magnética está disponível, pode ser indicada nas situações em que a tomografia não apresente lesão, porém paciente persista com convulsões recorrentes. Alguns achados podem ser melhor vistos na ressonância, sendo os mais comuns:

  • Edema cerebral e apagamentos dos sulcos
  • Perda da diferenciação córtico-subcortical
  • Realce cortical delineando os giros
  • Focos de hipersinal em T2 com restrição à difusão (comumente encontrados no corpo caloso, regiões do lobo temporal e pulvinar do tálamo).

A punção lombar pode ser necessária em casos que se apresentem febris, quando houver suspeita de infecção do sistema nervoso central, hemorragia subaracnoídea ou história de neoplasia com suspeita de invasão meníngea, considerando que não se tenha contraindicações na TC do cérebro.

O eletroencefalograma infelizmente não é facilmente acessível, apesar sua realização ser ideal na maioria dos casos. Ele é de fundamental importância para pacientes com suspeita de EMENC, devendo ser realizado até 1h após suspeita, ou após EMEC tratado. Em pacientes críticos, o EEG contínuo deveria fazer parte da monitorização habitual, tendo em vista um maior espectro para detecção das crises convulsivas, principalmente em pacientes intubados por status.

Referências:

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  • Meierkord H, Boon P, Engelsen B, et al. EFNS guideline on the management of status epilepticus in adults. Eur J Neurol. 2010
  • Velasco I, Neto R, Souza H, et al. Medicina de emergência : abordagem prática. – 15. ed., rev., atual. e ampl. – Barueri [SP] : Manole, 2021.
  • Walls M, et al. Rosen’s emergency medicine: concepts and clinical practice. Ninth edition. Elsevier, 2018.
  • Glauser T, Shinnar S, Gloss D, et al. Evidence-Based Guideline: Treatment of Convulsive Status Epilepticus in Children and Adults: Report of the Guideline Committee of the American Epilepsy Society. Epilepsy Currents. 2016;16(1):48-61. doi:10.5698/1535-7597-16.1.48
  • Claassen, J., Goldstein, J.N. Emergency Neurological Life Support: Status Epilepticus. Neurocrit Care 27152–158 (2017). https://doi.org/10.1007/s12028-017-0460-1
  • Trinka, E., Cock, H., Hesdorffer, D., Rossetti, A.O., Scheffer, I.E., Shinnar, S., Shorvon, S. and Lowenstein, D.H. (2015), A definition and classification of status epilepticus – Report of the ILAE Task Force on Classification of Status Epilepticus. Epilepsia, 56: 1515-1523. https://doi.org/10.1111/epi.13121

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